A paixão da Fiel Torcida continua inabalável, mas o mesmo não se pode dizer
das finanças do Sport Club Corinthians Paulista. O clube atravessa uma das
fases mais críticas de sua história administrativa, mergulhado em uma dívida
que já beira os R$ 2,5 bilhões. A crise financeira não é nova, mas os últimos
números apresentados à torcida e ao Conselho Deliberativo escancaram uma
realidade alarmante.
No dia 28 de abril, o Corinthians revelou um déficit de R$ 181,7 milhões no
exercício de 2024, primeiro ano da gestão de Augusto Melo. Mesmo com uma
arrecadação robusta de R$ 1 bilhão, impulsionada por vendas de jogadores
(R$ 338,4 milhões), direitos de transmissão (R$ 295 milhões) e patrocínios e
publicidade (R$ 253 milhões), as despesas astronômicas deixaram o clube em
vermelho.
O que assusta é o tamanho do passivo. Segundo o parecer do CORI (Conselho
de Orientação), o Corinthians viu sua dívida subir em R$ 829 milhões em
apenas um ano, atingindo a marca de R$ 2,46 bilhões. O futebol profissional
consumiu R$ 759,7 milhões, e apenas a folha salarial — incluindo encargos e
benefícios — representou R$ 367,7 milhões. Some-se a isso os R$ 106
milhões em despesas administrativas e o quadro se agrava.
Mas como o clube chegou a esse ponto, mesmo com receitas bilionárias? A
resposta passa por décadas de gestão temerária, investimentos mal planejados
e custos operacionais descontrolados.
Desde a gestão de Alberto Dualib, o Corinthians passou a operar com déficits
recorrentes. A chegada de Andrés Sanchez trouxe conquistas importantes
dentro de campo, mas também resultou em investimentos vultosos, como a
construção da Neo Química Arena e do novo Centro de Treinamento, que
pesaram nas contas. Apesar de esses ativos representarem patrimônios
relevantes, o modelo de financiamento, baseado em empréstimos e
antecipações de receitas, se mostrou insustentável a longo prazo.
A sucessão de presidentes não conseguiu reverter o quadro. Ao contrário, em
muitos casos, agravou o problema. A gestão Duílio Monteiro Alves, por
exemplo, teria deixado uma dívida não contabilizada de R$ 191 milhões,
descoberta apenas agora. Segundo o presidente Augusto Melo, sem esse
passivo oculto, as contas de 2024 até indicariam um pequeno superávit. Mas
esse tipo de "contabilidade criativa" apenas mascara a real dimensão da crise.
Esse cenário torna ainda mais paradoxal o fato de o clube ter registrado um
crescimento expressivo nas receitas. O Corinthians modernizou sua gestão de
marketing, firmou contratos sólidos de televisão e conta com uma torcida que
consome, participa e gera receita com o programa Fiel Torcedor. Mesmo assim,
gasta mais do que arrecada, em parte por causa do peso dos juros, da
estrutura inflada e das contratações de impacto que nem sempre dão retorno
esportivo ou financeiro.
Chegou a hora de encarar a realidade de frente. A dívida corintiana já é
comparável à de grandes corporações. E, como em qualquer empresa em
crise, é preciso agir com rigor e estratégia. Não há mais espaço para
amadorismo ou decisões baseadas apenas na emoção.
A seguir, destaco algumas medidas urgentes que o clube deve considerar se
quiser sair do buraco e reconstruir sua saúde financeira:
Reestruturação da dívida - O Corinthians precisa sentar com seus credores e
renegociar. Alongar prazos, reduzir juros e buscar linhas de crédito com
melhores condições deve ser prioridade. Um clube com a marca e o alcance do
Corinthians ainda tem poder de negociação, mas o tempo é curto.
Corte de gastos e política de austeridade - Não se trata de abandonar a
ambição esportiva, mas de gastar com inteligência. Revisar contratos, enxugar
departamentos e eliminar despesas supérfluas são medidas urgentes. O
futebol precisa continuar sendo competitivo, mas sem comprometer o futuro
financeiro da instituição.
Gestão profissional e transparente - O clube precisa de governança
moderna, com metas de desempenho, relatórios públicos e um sistema
transparente de prestação de contas. Só assim será possível reconquistar a
confiança de investidores, patrocinadores e, principalmente, do torcedor.
Fortalecimento das categorias de base - Investir na formação de jogadores é
rentável e estratégico. Além de reduzir a necessidade de contratações caras, a
base pode gerar grandes receitas com futuras vendas. Exemplos bem-
sucedidos não faltam no próprio futebol brasileiro.
Exploração de novas receitas - A Neo Química Arena pode render muito
mais. Eventos, naming rights, ações de relacionamento e experiências
premium devem ser exploradas com criatividade. O Corinthians também pode
ampliar seu portfólio de licenciamentos e produtos oficiais, além de buscar
parcerias estratégicas fora do futebol.
A situação do Corinthians é grave, mas não irreversível. A instituição tem
história, torcida e marca suficientes para se recuperar. Mas isso depende de
decisões corajosas e, acima de tudo, responsáveis. O clube precisa deixar para
trás a cultura do improviso e abraçar a gestão profissional que o cenário atual
exige.
A Fiel merece mais do que promessas. Merece um clube sustentável, que
conquiste títulos sem se afundar em dívidas. A hora de virar esse jogo é agora.
Antes que a bomba-relógio que pulsa no coração do Parque São Jorge exploda
de vez.
ROBERTO MAIA É JORNALISTA, ESCRITOR, CRONISTA ESPORTIVO E EDITOR
DO PORTAL TRAVELPEDIA.COM.BR