POR ROBERTO MAIA
A campanha de arrecadação para quitar a dívida da Neo Química Arena
completou dois meses. Mas ainda está longe de alcançar sua meta ambiciosa
de R$ 700 milhões. Com pouco mais de R$ 35,8 milhões arrecadados até
agora, o montante representa apenas 5,1% do total necessário. Após um início
avassalador, no qual foram coletados R$ 15 milhões em apenas dois dias, o
ritmo das doações diminuiu significativamente. Agora o desafio é conseguir
engajar a gigantesca torcida corinthiana.
A história mostra que a torcida do Corinthians é capaz de feitos grandiosos.
Desde as icônicas "Invasões Corintianas" ao Maracanã em 1976 e ao Japão
em 2012, a Fiel Torcida é sinônimo de paixão e mobilização. Entretanto, a
campanha atual expõe um cenário desafiador. Apesar de uma torcida estimada
em mais de 30 milhões de pessoas, o engajamento tem sido muito baixo.
Cerca de 800 mil doações foram registradas, com um valor médio de R$ 44 por
doação.
Isso levanta questões sobre o motivo de a Fiel não estar colaborando em
massa como muitos previam. O PIX, ferramenta utilizada para as doações,
ainda não é acessível para todos. Muitos torcedores, especialmente aqueles
menos familiarizados com a tecnologia, podem ter dificuldades em participar.
Alternativas, como uma conta corrente, poderia ampliar o alcance da
campanha.
Outro obstáculo é a desconfiança de parte da torcida. Décadas de gestões
questionáveis e escândalos financeiros criaram um ambiente de ceticismo.
Embora uma comissão fiscal independente garanta a transparência da
arrecadação, convencer os torcedores de que os valores serão utilizados
exclusivamente para o pagamento da dívida tem sido um desafio.
Para tentar impulsionar a campanha, iniciativas como a "Invasão Corinthiana
nas Redes" buscam mobilizar a torcida por meio de influenciadores, ex-
jogadores e personalidades públicas. A ideia de eternizar os nomes de
doadores que contribuírem com mais de R$ 100 em um memorial na arena é
um atrativo adicional. Porém, ainda não tem sido suficiente para transformar a
vaquinha em um sucesso estrondoso.
Comparada a outras campanhas históricas do clube, a atual apresenta
nuances diferentes. Em 1971, por exemplo, torcedores contribuíam com
dinheiro depositado em barris de madeira para ajudar na contratação Paulo
Cézar Caju, recém campeão mundial no México no ano anterior. Funcionários
do clube colocavam os barris em diversos pontos da cidade para a coleta, onde
o dinheiro era jogado dentro. O presidente do Corinthians à época, Miguel
Martinez, teria anunciado, inclusive, a realização de uma “noite de vigília”, em
frente ao Parque são Jorge com a cobrança de “pedágio” para quem quisesse
contribuir.
Antigos conselheiros do Corinthians contam que sacos de dinheiro eram
recolhidos diariamente e levados para o Parque São Jorge. Porém, para a
frustração dos torcedores a vaquinha não teria arrecadado o valor pedido pelo
Botafogo e Paulo Cézar continuou no Rio de Janeiro. O valor total das doações
nunca foi revelado.
Em 1998 foi a vez da campanha “Disque Marcelinho”, lançada pela Federação
Paulista de Futebol (FPF) para repatriar o meia Marcelinho Carioca, que vivia
um momento conturbado na Espanha. Para liberar Marcelinho o Valência
queria receber 7 milhões de dólares.
A campanha consistia em ligações para um determinado número de telefone,
onde a torcida que mais ligações fizesse iria ficar com Marcelinho. Cada
ligação tinha o custo de R$ 3 à época e ainda incluía o sorteio de cinco
automóveis para os torcedores que participassem. A torcida do Corinthians
saiu vencedora com 62,5% do total de ligações.
A FPF alegou que teve prejuízo com a campanha que segundo informações
publicada no jornal A Gazeta Esportiva teve um total de “apenas” 470 mil
ligações. Isso significa que os corinthianos fizeram cerca de 293,7 mil
telefonemas.
No papel, a proposta da campanha da Gaviões da Fiel parece viável. Se cada
torcedor doasse uma pequena quantia, o valor necessário seria alcançado
rapidamente. Porém, a realidade é mais complexa. A atual conjuntura
econômica do Brasil, marcada por inflação e dificuldades financeiras para
muitas famílias, certamente influencia a capacidade de doação parte da torcida.
Além disso, muitos corinthianos questionam se o ônus da dívida da arena
deveria ser assumido pela torcida ou pela diretoria, cuja gestão foi responsável
pela construção do estádio. Esse tipo de questionamento é legítimo e reflete
um sentimento de frustração com a maneira como o futebol tem sido
administrado no país.
Com um prazo máximo de seis meses para arrecadação, a Gaviões e o
Corinthians precisam acelerar o engajamento. Iniciativas que ampliem os
canais de doação e ações que reforcem a transparência podem ser caminhos
para reverter o cenário. No entanto, a experiência mostra que depender
exclusivamente da paixão da torcida não garante o sucesso financeiro de
campanhas como essa.
Em última análise, a campanha de arrecadação expõe tanto a força quanto as
limitações de uma das maiores torcidas do mundo. O sonho de quitar a dívida
da arena por meio da união da Fiel é uma bela narrativa, mas que ainda
precisa superar barreiras práticas e emocionais para se concretizar.
Seja qual for o resultado, essa experiência será mais um capítulo da relação
entre o Corinthians e sua torcida, marcada por amor, sofrimento e, acima de
tudo, a crença de que "Aqui é Corinthians".
ROBERTO MAIA É JORNALISTA, ESCRITOR, CRONISTA ESPORTIVO E
EDITOR DO PORTAL TRAVELPEDIA.COM.BR