A final do Campeonato Paulista entre Corinthians e Palmeiras, na Neo Química
Arena, expos um problema crônico no futebol brasileiro: o cambismo. Os
ingressos para este esperado clássico, que deveriam ser um convite à
celebração esportiva, estão sendo comercializados por valores absurdos,
alcançando até R$ 1.500 em algumas plataformas.
O fenômeno ultrapassa os limites da simples revenda. Grupos de WhatsApp e
perfis no Instagram transformaram a comercialização de ingressos em um
mercado paralelo lucrativo. Mais grave ainda é a constatação de que até
mesmo ingressos destinados a pessoas com deficiência (PCD), originalmente
gratuitos, estão sendo objeto de especulação comercial.
A escala do problema é impressionante. Um ingresso do setor sul,
originalmente vendido por R$ 38 no programa Fiel Torcedor estavam sendo
oferecidos por R$ 1.000 - uma majoração absurda de cerca de 2.532%. Essa
prática não apenas prejudica o torcedor comum, mas também viola princípios
básicos de acesso ao entretenimento esportivo.
Investigações recentes revelam um esquema complexo de revenda. Sócios-
torcedores, conselheiros e até funcionários do próprio clube podem estar
envolvidos neste circuito ilegal. A denúncia de um ex-funcionário do
departamento de tecnologia do Corinthians trouxe à tona a dimensão do
problema, expondo fragilidades no sistema de distribuição de ingressos.
O Corinthians, confrontado com a situação, tem respondido com medidas que
misturam tecnologia e fiscalização. O clube planeja implementar
reconhecimento facial a partir de junho de 2025, uma estratégia que já
demonstrou eficácia em outros clubes como Palmeiras e Athletico-PR. Além
disso, está colaborando com investigações policiais e denunciando perfis
irregulares nas redes sociais.
A legislação brasileira já prevê punições para cambistas. A Lei Geral do
Esporte estabelece penas de reclusão de 1 a 4 anos para quem revende
ingressos acima do valor original. No entanto, a aplicação prática dessas
penalidades ainda encontra desafios significativos.
Experiências internacionais, especialmente na Europa, oferecem insights
valiosos. Países como Reino Unido e Alemanha desenvolveram estratégias
robustas de combate ao cambismo, incluindo legislações rigorosas, sistemas
de ingressos nominais e plataformas oficiais de revenda.
O cambismo representa mais do que um problema econômico - é uma afronta
à cultura esportiva. Transforma a paixão pelo futebol em uma mercadoria
exclusiva, negando a milhares de torcedores o direito de acompanhar seu time
em momentos históricos.
Para combater essa prática, é necessário um esforço coordenado entre clubes,
autoridades, plataformas digitais e torcedores. A conscientização sobre os
riscos e consequências do cambismo é tão importante quanto as medidas
repressivas.
Enquanto o futebol não se tornar verdadeiramente inclusivo, com mecanismos
efetivos de controle e democratização do acesso, o cambismo continuará
sendo um triste capítulo de nossa cultura esportiva. A solução exige
transparência, tecnologia e, sobretudo, o compromisso de todos os envolvidos
em preservar a essência popular do esporte mais amado do Brasil.
ROBERTO MAIA É JORNALISTA, ESCRITOR, CRONISTA ESPORTIVO E
EDITOR DO PORTAL TRAVELPEDIA.COM.BR